Ontem, ao esperar o atendimento em uma clínica médica, deparei-me com um sujeito baixinho, de uniforme de colégio com manchas que pareciam ser de chocolate. De início, chega agarrado em uma das mãos de sua mãe e ao perceber que todos os olhares o encontravam, trata de logo esconder-se atrás de um gibi que rapidamente foi sacado de sua mochila. Aliás, fazendo uma breve observação, a tal mochila era uma verdadeira obra de arte, com inúmeros traços de canetinha, adesivos colados por todos os lados e manchas adquiridas com o tempo de uso, provavelmente criação do jovem artista que ali se encontrava.
Depois de alguns bons minutos, percebo que o menino não estava mais com o rosto coberto pela revistinha. Apesar de manter-se sentado, suas pernas, que não encontravam os limites do chão, movimentavam-se inadvertidamente pelo ar. E seus olhos iam para além do contorno corpóreo, percorrendo a extensão da sala de espera, até serem definitivamente fisgados por um pequeno objeto de procedência desconhecida e que vivia em uma mesa sem a presença de outros semelhantes. O objeto: um único incenso.
A partir desta visão, de quem encontra água no deserto, o menino se aproxima da mesa locada por uma senhora de óculos ‘fundo de garrafa’, que mantinha sua atenção auditiva presa ao telefone. Em uma comunicação silenciosa, cercada de sinais e trejeitos, senhora e menino acordam que este último poderia pegar o tal incenso, tendo a confirmação a partir do balançar da cabeça, em demonstração positiva da moça de cabelos prateados.
E daí, investido de uma
força própria, o agora bruxo, toma sua varinha mágica, piruetando pela sala ao fazer
inúmeros encantos, começando na direção de portas, vasos e afins, e prosseguindo envolvendo
os, até então, tediosos presentes da espera médica.
Com muitos efeitos sonoros e
uma incansável disposição, o aprendiz de Harry Potter fez o seu tempo e o meu passarem
despercebidos, até que sou convidado a retornar ao contexto ‘sala de espera’ pelo atravessamento da
voz do médico, ao pronunciar meu nome.
Mesmo com a interrupção,
toda aquela cena me fez recordar meus tempos de estatura reduzida, mais
especificamente a lembrança de uma viagem para Cabo Frio que fiz com familiares
– pais e tios, onde eu era a única criança do comboio.
Na época, passava na
televisão – acredito que no Globo Repórter – uma série de reportagens baseadas
nos documentários do Jacques
Cousteau. Trago a nítida recordação da admiração
e fascínio que aquele senhor magrinho me despertava, ao contar histórias dos
oceanos e seus moradores.Assim, tomado pela riqueza que via em suas aventuras, tomei emprestado seu nome e qualificações, lançando-me nas enormes dunas de tamanhos presentes no passado de Cabo Frio e na minha fantasia infantil. Como um destemido aventureiro, percorri um cenário cheio de riquezas e surpresas, transformando um galho de árvore, em meu cajado, que me auxiliava, tanto na locomoção pelos blocos de areia como na exploração dos tesouros e bichos que encontrava no caminho.
Fui Cousteau e muitos outros personagens ao longo da minha infância. Brinquei e dei ares mais interessantes ao caminho percorrido por uma criança no meio de adultos no ‘deserto’ cabofriense. Fiz, como o menino do consultório, ao criar um jeito mais gostoso de estar. E hoje, demonstro interesse genuíno por aquilo que meus clientes mirins trazem, disponibilizando a sala e os recursos lúdicos para que os mesmos escolham o caminho que querem seguir, onde agora sou incluído nas brincadeiras, virando novamente personagens, a partir do simples convite deles.