Próximo de completar 36 anos
(o texto estreia no blog após a data comemorativa), na tentativa de suprir meu
desejo por açúcar, pego-me em um mercado dialogando com um consumidor mirim,
bastante surpreso com a minha compra do dia, uma caixa de sucrilhos. Seu
espanto é renovado ao saber minha idade, dando ao espanto, sem absoluto crivo
social, voz e título: “você é velho” – o espanto neste momento passa para sua
mãe, que tentando contornar a situação e seu incômodo, enche-me de desculpas.
Porém, sem muita preocupação
com a censura materna, o menino continua. Demonstrando vasto conhecimento sobre
valores nutricionais, infere que sucrilhos é alimento de criança, já que a
caixa tem um desenho de bichinho e é muito doce. Para ele, um homem velho –
leia-se ‘eu’ – tem que comer “comida que fica do outro lado” do mercado. Mas esta
informação sobre a dieta correta foi abruptamente interrompida, já que sua mãe,
como última tentativa de terminar seu embaraço, puxa o menino para longe da
cena.
Assim, poderia dar muitos
focos ao contar essa história, tirar algumas lições, parar de comer açúcar,
mas... mas como assim, velho? Afinal, não sinto nenhum tipo de dor lombar e tenho
poucos, muito poucos cabelos brancos – não entrei no mérito de que minha cabeça,
cada vez mais, torna-se menos povoada por habitantes capilares, seja de que
coloração for.
Após um tempo, algumas
respiradas profundas, tendo a indignação pelo título de terceira idade,
amenizada pelo açúcar em plena reposição, percebo que diante dos olhos do menino,
os meus 35 anos eram tão distantes da sua realidade, que sim, eu sou por
absoluto velho, do dedão do pé até o último fio de cabelo – ou um dos últimos
sobreviventes. Pra alguém que nasceu, segundo a perspectiva dos filmes
futuristas da minha infância, num período onde os carros deveriam voar e os
empregados seriam robôs, um sujeito de 1977 está próximo e até faz parte de
livros de História.
Por autorreferência, quando
eu tinha aproximadamente 4 ou 5 anos, os 35 e 36 anos estavam situados na ordem
do inalcançável. Provavelmente eu não tinha ideia de quantos anos meus pais
tinham, muito menos meus avós. Eu separava-os por velhos e muito velhos.
Com 4 e 5 anos, entendia a
idade ou a muita idade, ao escutar que os limites e regras eram dados por
aqueles que eu deveria respeitar por serem os “mais velhos”, ou mesmo a quem eu
buscava em casos de dúvidas ou incompreensões. Por observação entendia a idade,
que quanto maior a estatura, mais velho; e a muita idade, pelos flagrantes cabelos
brancos, peles enrugadas e costas curvadas. Era quase uma ciência exata que
adotava: quanto mais encontrava estes traços, mais velho o sujeito seria.
Pelos meus olhos, ser adulto
tinha um caráter chato. Afinal, muitas vezes escutava “quando você crescer”
pontinho, pontinho, pontinho, e alguma previsão enfadonha, responsável e pouco
atraente surgia da boca dos figurões mais velhos.
Mais uma vez a matemática
entra em cena. Quanto mais velho eu ficava, inversamente proporcional, a
brincadeira diminuía. Em compensação, quanto mais velho ficava, relativamente
proporcional, os deveres aumentavam. Sendo assim, como alguém, em sã
consciência, pode querer ficar mais velho?
No consultório, longe de uma
resposta definitiva para esta pergunta, mas ganhando um contorno apropriado
pelos clientes mirins, que com um novo espanto, ao descobrirem minha atual idade,
partem para uma nova configuração do campo: “você tem a idade do meu pai!?!?” e/ou
“você é velho e brinca”.
É... definitivamente fico mais confortável com este final. E que continue, anualmente, a soma de um dígito em minha identidade, possibilitando novos espantos nas relações com as crianças.
É... definitivamente fico mais confortável com este final. E que continue, anualmente, a soma de um dígito em minha identidade, possibilitando novos espantos nas relações com as crianças.