Recebemos
com frequência representações dos ideários de beleza, informações sobre o que
usar e quando usar, dicas do que combina com o que... enfim, inúmeros informes
que, em boa parte, extrapolam a sanidade dos espelhos. Programas, revistas e sites
infestam o cenário midiático com a temática beleza, engrossando sua supervalorização
e até sua comercialização.
Como
não é surpresa, tal preocupação amplia-se até a tenra idade em nossa sociedade
contemporânea, dando aos corpos infantis referenciais adultos.
Vale
frisar que é muito comum e saudável crianças transvestirem-se de figuras
adultas próximas, imitando-as em jeito e vestimenta. Em meu percurso infantil, lembro-me
de passagens em que uso as gravatas do meu pai e pego seu barbeador,
devidamente desligado, para aparar minha figurativa barba.
Porém,
a ludicidade perde, literalmente, a graça, quando o exagero apresenta-se. Dia
desses, fui apresentado a tal exagero na figura de uma pequena menina com sua
mãe em uma livraria. Como de costume, ao fazer uma de minhas visitas a parte
infantil da livraria, eis que encontro a dupla (mãe e filha de uns 5 anos)
nesta mesma sessão. Com a transformação do dueto em uma tríade, com a chegada
de uma amiga da figura materna, minha atenção voltou-se completamente para o
falatório sobre moda infantil e a carreira meteórica da pequena modelo ali
presente.
Enfim,
encurtando a estória e não entrando no assunto sobre as tendências do verão
para meninos e meninas, o que prendeu minha atenção naquele bate-papo foi a
reação automatizada da menina a cada elogio emitido pela mãe, toda orgulhosa,
ou por sua amiga. Ao escutar “linda”, “talentosa”, “perfeita”, “blá-blá-blá” –
neste texto e contexto, blá-blá-blá são adjetivos bastante elogiosos – a
candidata a Gisele Bündchen sorria forçosamente, fazendo pose
como quem espera o click de uma máquina fotográfica – com direito a mãozinha na
cintura.
Naquele
momento, aquela criança distanciava-se de sua real idade. Ali, não estava mais uma
menina brincando de ser adulta, subindo nos sapatos da mãe ou borrando a cara
com maquiagem, tornando seu rosto numa tela de Picasso. Presenciei algo mais
próximo do estranho mundo dos concursos infantis de beleza dos EUA, em que
crianças apresentam-se com cabelos que dariam inveja a Hebe Camargo e sorrisos
parecidos com o do Coringa.
Ressalvo,
mais uma vez, que admirar e imitar figuras adultas próximas ou até mesmo
pessoas famosas faz parte do desenvolvimento infantil em um processo de
identificação e diferenciação. A criança vivencia inúmeros papéis ao brincar,
mostrando flexibilidade e versatilidade, sendo em um momento um cavaleiro com
corte de cabelo do Neymar e, em outro momento, um monstro gosmento.
O
que observo como um movimento bastante presente na atualidade, onde a beleza
infantil tornou-se mercadoria, é o distanciamento do seu próprio mundo
infantil, onde crianças trazem comportamentos de miniadultos em relação à
vaidade, demonstrando preocupações até com o seu peso corporal.
Normalmente,
quando tais comportamentos aparecem de maneira tão perceptível para os pais,
recebemos (psicólogos) ligações preocupadas. A questão é que em boa parte das
situações, são os próprios adultos, que transmitem e incentivam a valoração
desses padrões de beleza.
Crianças
recebem títulos nobres de príncipes e princesas “da mamãe” e “do papai” e,
quantas vezes, também recebem as expectativas com que ajam com a desenvoltura e
elegância de tal fidalguia.
Existe
um fato incontestável na modernidade: a grande quantidade de oferta no mercado
da aparência, onde crianças são público-alvo de produtos e tratamentos de
beleza. O sinal de alerta é que também existe um excesso de estímulo em prol da
beleza dentro das casas, com o incentivo deste tipo de consumo sem nenhum contorno,
onde crianças param de brincar para não sujar as roupas ou despentear os
cabelos.
Então,
“espelho, espelho meu”, vou te explicar uma coisa. Sei que no mundo encantado
as roupas não amassam, os sorrisos são sempre brancos, os cabelos tem um laquê
permanente, mas dá um desconto no mundo real. Aqui, a sujeira suja, e o vento desarruma e despenteia; e pra brincar, rola um cabível descomprometimento
com você.