Espaço virtual que reúne o profissional psicólogo e o escritor amador em rabiscos de caminhos incertos.


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O psicólogo e sua bola de cristal

Durante um papo descontraído com uma amiga, onde um dos tópicos da conversa passava por sua experiência como cliente de psicoterapia, acolho em meus ouvidos uma fala em tom jocoso (sempre quis usar essa palavra em algum escrito... enfim, sonho realizado) “psicólogos me dão medo”. Obviamente seu parecer não era direcionado ao espelho ou a um amigo matemático. Aquela frase ressoava em mim, psicólogo, o tal profissional que dá medo.

Com sua posterior explanação veio o esperado, que seu receio era a nossa “possibilidade” de desvelar o que permanecia oculto em um simples bate-papo, até então, descontraído, pelo menos pra mim.

O fato é que a visão dela não foi formada em seu período de isolamento social, em longos anos de meditação no Tibet. Pelo contrário, esta opinião por muito está presente em uma quantidade demográfica considerável, tornando o psicólogo um ser com poderes sobrenaturais, ou melhor, poderes sobre a mente humana – como se a mente fosse algo possível de ser destacada da pessoa como um todo, mas isso é papo para outra postagem.

Devemos considerar que muito desta ideia é reforçada pelo próprio profissional psicólogo, que se coloca no trono do saber a priori, sempre tendo algo a dizer, mesmo sendo uma bobagem tremenda, uma verborragia ilusória. É como se soubesse mais que a própria pessoa sobre si, que comprovadamente se atura 24 horas por dia nos 365 dias do ano.

Independente da experiência ou da linha de trabalho, psicólogos não têm bolas de cristal e nem são amigos de gnomos que sopram coisas em seus ouvidos. Considero que nós, e agora falo como parte de uma parcela dos psicólogos que não ganhou em sua formação a varinha mágica do suposto saber, buscamos ver o que é óbvio. E o óbvio só é possível ser visto por estarmos atentos aos nossos clientes, por aquilo que se apresenta ali, na relação terapêutica.

Mas é claro que existe muito encanto e mistério em supostos aprendizes de Merlin, que mesmo não dotados de capa, denotam alguns trejeitos como um coçar de barba (para aqueles que têm, se não o queixo liso já serve), um olhar penetrante com um leve levantar de sobrancelha e cabum, eis que a magia toma forma.

E outra coisa, e talvez a mais importante da noite passada. Estava ali com uma amiga, rindo e sorrindo. Ou seja, estava no óbvio, rindo e sorrindo. Então, favor não enxergar além.

 (Fonte da tirinha: Fan page Psicopatos, autor Mig, postado no dia 22/01/2013)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Brincando com a comida

Sentado e, até então, distraído com meu almoço em um pequeno restaurante próximo ao consultório, sou convidado a participar de uma sucessão de fatos em uma mesa logo adiante. Vindo dela, escuto um sonoro "chega!". E antes mesmo dos meus olhos encontrarem o emissor, recebo a confirmação da mensagem, com sua repetição em um tom mais baixo, mas que mantinha a firmeza da palavra. Na mesa, uma até então, suposta mãe segura e sacode repetidas vezes uma das mãos de uma criança de aproximadamente uns 6 anos (seu suposto filho), fazendo-o largar alguns palitos que caiam sobre seu prato.

Ao observar aquela mulher, seu gestual e fisionomia, enxergo com o auxílio da minha doce miopia, um dragão corpulento que perdera a habilidade para cuspir fogo, mas que mantinha a combustão interna, não conseguindo evitar a fumaça por suas narinas enquanto despejava seu sermão materno durante a mastigação de sua última garfada ou de sua última presa. No meio do "você não para quieto", "a hora de comer não é a de brincar", escuto pela primeira vez a voz do infante em tom afirmativo: "Mãe, mas eu gosto é de brincar!". E pegando uma batata-frita com uma das mãos, consegue habilmente prender as suas extremidades em um palito, completando verbalmente: "Olha, D de Daniel. O meu nome". E um imediato riso surge – em mim também, mas escondido por meus lábios passa despercebido – desses travessos que atravessam os dentes que permanecem fechados, devorando, posteriormente, a sua criação.

A mãe, abalada pela resposta, mas não se dando por vencida, solta um inapropriado e destruidor "quero ver quando você tiver filhos". E, imediatamente dando de ombros, o menino responde de forma simples, como se aquela mulher falara a maior bobagem de todo o globo terrestre: “ué, vou continuar brincando", passando um palito para sua mãe como um convite para a brincadeira, mas fazendo apenas com que a adulta da relação o pousasse na mesa e encerrasse o assunto.

E eu, de forma silenciosa, espero que ele continue brincando por muitos ou todos os seus anos. E me faço lembrar que uma semana antes convidava o filho de uma amiga a construir castelos com saches de açúcar em uma cafeteria.

As crianças são lúdicas e se expressam através desta mesma ludicidade. Pena que nós adultos entendamos pouco do universo infantil, já que os anos transformam a nossa criança em vagas lembranças presentes apenas nas fotografias amareladas distribuídas em álbuns guardados por nossos pais.

Ps: em um mês de janeiro, onde a maioria dos meus clientes mirins estão de férias, sinto um aperto de saudade.