Espaço virtual que reúne o profissional psicólogo e o escritor amador em rabiscos de caminhos incertos.


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Todo carnaval tem seu fim

O carnaval passou e o ano finalmente teve seu início. Confetes foram varridos das ruas e avenidas, fantasias receberam cartas de alforria, e assim, homens e mulheres (re)abriram seu primeiro dia do ano em plena terceira semana de fevereiro.

Indivíduos que, em sua maioria, já receberam a promoção à categoria de adultos, agora rumam para os seus trabalhos vestidos de seriedade, deixando para trás o saboroso gosto dos dias sinceros de folia. Dias onde a brincadeira tornou-se o cotidiano.

Com um empréstimo de período curto, os ditos homens feitos tomaram de seus filhos, netos e sobrinhos o direito de brincar. Viveram num verdadeiro parque de possibilidades, contos e histórias de super-heróis e vilões, onde o que menos havia eram desavenças entre os personagens.

Os mesmos adultos que passaram o ano promovendo o amadurecimento de seus filhos, fecharam temporariamente os olhos para suas próprias regras e mergulharam nos atos infantis, vivenciando, muitas vezes, o publicamente incorreto para maiores de 18 – se bem que depois dos 12 anos estes atos já são considerados ‘mico’.

A porção adulta tirou férias e frases como “não faça careta para as pessoas” ou “não sente no chão com sua roupa limpinha” passaram a ser recriminadas pelos próprios pais, dando aos dias de folia um aspecto de faixa etária livre para a expressão lúdica.

No carnaval, mais velhos e mais novos se confundem no meio das fantasias e concedem para si a licença para a zombaria. Naquela fenda temporal, de intervalo entre as obrigações, é permitido mexer, tirar sarro, rir do outro e com o outro, terminando muitas vezes com corpos esparramados no chão, em sinal do cansaço das horas de divertimento.

E assim, em tom passado, nos despedimos na quarta-feira de cinzas dos adultos que viveram meninos e meninas ao vestirem trajes super poderosos. Despedimo-nos dos adolescentes temporários que contavam a quantidade de bocas beijadas, ou mesmo, que perderam a conta da quantidade de bebidas tomadas. Despedimo-nos dos infratores – mas estes, que independente da idade, merecem reprovação – que mancharam o carnaval com o mau cheiro de urina e de atos de vandalismo.

E como crianças contrariadas, que foram retiradas à força de suas brincadeiras, despedimo-nos do carnaval de cara fechada, emburrados pela troca involuntária da diversão pela hora de dormir ou ir para a escola.


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Nuventizando

Em outro tempo vivi a vontade de escrever um livro onde pudesse juntar minhas lembranças infantis com minha experiência como psicoterapeuta de criança. O livro ficou na vontade, guardado na gaveta das propostas futuras, salvando-se alguns textos soltos, onde muitos – sua maioria – seguem sem ponto final.

Dias atrás, um dos escritos – e o desejo de dar corpo ao livro – retornou das profundezas do esquecimento em cores vivas ao gozar de um hábito de infância em plena ‘adultice’. Ao pegar um taxi, fui impelido a olhar pra fora, mais especificamente, a olhar pra cima... pro céu. Para escapar da sensação de aprisionamento em estar em um transporte amarelo canário, que pouco cumpria sua missão diante do entupimento das vias de suposta circulação, e pela inexistência de asas em meu corpo, percebi-me na prática de um exercício que muito fiz em minha meninice, inventar histórias com as nuvens, ou melhor, a partir das nuvens.

Comecei de maneira tímida, nomeando o que enxergava no grafismo das massas. Vi um cachorro cabeçudo, uma girafa de pescoço atrofiado, uma taça de sorvete e por aí foi. No calor das criações autorizei-me ir além, inventar histórias com as imagens que vislumbrava, linkando umas com as outras. Cada imagem que avistava era incorporada em uma pequena narrativa silenciosa.

As histórias foram tomando conta da minha viagem, se metamorfoseando em minha própria viagem. Construí “causos” juntando dinossauros com alienígenas, animais e sujeitos mutantes que andam de ônibus e trem, e que portam objetos de tamanhos irreais etc.

Após um tempo, imperceptível quantitativamente para mim, fui convidado a retornar a realidade pela insistência do taxista em me cobrar a corrida. Enfim, paguei, deixando temporariamente de lado, até a criação desta escrita, a ficção.

O fato é que saí provisoriamente de uma situação que se apresentava chata, cansativa. Uma corrida de táxi em pleno horário de rush.

Construí, brinquei, ajustei o mundo ao meu gosto. Fiz o que fazia quando criança, para as viagens de carro transcorrerem sem demora, para burlar os enjoos que sentia com o sacolejo do automóvel. Fiz o que crianças normalmente fazem para se proteger de situações desagradáveis, destrutíveis, disfuncionais.

Ajustando criativamente, as crianças se lançam em comportamentos que muito são incompreendidos e até tolhidos por adultos. Faça uma criança esperar uma consulta médica sentada por uma ou duas horas, ou mesmo ter de acompanhar seus pais nas compras mensais em um supermercado. Observe o quanto elas são capazes de criar, inventar, de transformar corredores de mercado em verdadeiros labirintos, ou canetas da secretária do consultório em aviões supersônicos.

O que me deixa em alerta como psicólogo e apaixonado pelo universo da arte infantil, é quando estes ajustamentos são apresentados de forma rígida e padronizada pelas crianças, demonstrando inflexibilidade em inúmeras situações que convidam para novas possibilidades.

Mas isso é assunto pra outra postagem (e assim vou acumulando dívidas). No mais, convido todos a espiarem um pouco da espontaneidade das crianças nos diversos espaços urbanos ou, quem sabe, experimentar olhar mais pro céu e ir além das nuvens.