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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Brincando com a comida

Sentado e, até então, distraído com meu almoço em um pequeno restaurante próximo ao consultório, sou convidado a participar de uma sucessão de fatos em uma mesa logo adiante. Vindo dela, escuto um sonoro "chega!". E antes mesmo dos meus olhos encontrarem o emissor, recebo a confirmação da mensagem, com sua repetição em um tom mais baixo, mas que mantinha a firmeza da palavra. Na mesa, uma até então, suposta mãe segura e sacode repetidas vezes uma das mãos de uma criança de aproximadamente uns 6 anos (seu suposto filho), fazendo-o largar alguns palitos que caiam sobre seu prato.

Ao observar aquela mulher, seu gestual e fisionomia, enxergo com o auxílio da minha doce miopia, um dragão corpulento que perdera a habilidade para cuspir fogo, mas que mantinha a combustão interna, não conseguindo evitar a fumaça por suas narinas enquanto despejava seu sermão materno durante a mastigação de sua última garfada ou de sua última presa. No meio do "você não para quieto", "a hora de comer não é a de brincar", escuto pela primeira vez a voz do infante em tom afirmativo: "Mãe, mas eu gosto é de brincar!". E pegando uma batata-frita com uma das mãos, consegue habilmente prender as suas extremidades em um palito, completando verbalmente: "Olha, D de Daniel. O meu nome". E um imediato riso surge – em mim também, mas escondido por meus lábios passa despercebido – desses travessos que atravessam os dentes que permanecem fechados, devorando, posteriormente, a sua criação.

A mãe, abalada pela resposta, mas não se dando por vencida, solta um inapropriado e destruidor "quero ver quando você tiver filhos". E, imediatamente dando de ombros, o menino responde de forma simples, como se aquela mulher falara a maior bobagem de todo o globo terrestre: “ué, vou continuar brincando", passando um palito para sua mãe como um convite para a brincadeira, mas fazendo apenas com que a adulta da relação o pousasse na mesa e encerrasse o assunto.

E eu, de forma silenciosa, espero que ele continue brincando por muitos ou todos os seus anos. E me faço lembrar que uma semana antes convidava o filho de uma amiga a construir castelos com saches de açúcar em uma cafeteria.

As crianças são lúdicas e se expressam através desta mesma ludicidade. Pena que nós adultos entendamos pouco do universo infantil, já que os anos transformam a nossa criança em vagas lembranças presentes apenas nas fotografias amareladas distribuídas em álbuns guardados por nossos pais.

Ps: em um mês de janeiro, onde a maioria dos meus clientes mirins estão de férias, sinto um aperto de saudade.

5 comentários:

  1. Poxa vida, não sabia desse blog e nem que, além de todos os seus talentos, ainda tem mais esse, o de escritor. Adorei o texto. Fiquei em cima do muro, entre a mãe e o garoto. Pensando que a mãe poderia ter usado a brincadeira como um aliado para o almoço e ao mesmo tempo sabendo que às vezes essa missão que é educar pode ser cansativa :)
    Dá licença que eu vou ler os outros textos...

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  2. Fiu, que delícia de texto. Me fez pensar demais no Bento :) e como eu gosto de brincar com ele, falar a lingua dele, dar asas a imaginação dele quando ele diz: terereretereterete e eu respondo: é filho!? :) escreva mais. :) Bjs Wladi

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  3. Eu brinco muuuuito ainda! Mas nada como ter a companhia dos pequenos para mergulhar e ser mergulhada nesse universo! Obrigada pelo texto, amigo Feel. :)

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  4. Felipe, o mais irritante é quando vou a um museu e vejo os pais "explicando" as obras de arte aos filhos. Precisa dizer mais? Vc devia ecrever um post sobre isso.

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