Em outro tempo vivi a
vontade de escrever um livro onde pudesse juntar minhas lembranças infantis com
minha experiência como psicoterapeuta de criança. O livro ficou na vontade,
guardado na gaveta das propostas futuras, salvando-se alguns textos soltos,
onde muitos – sua maioria – seguem sem ponto final.
Dias atrás, um dos
escritos – e o desejo de dar corpo ao livro – retornou das profundezas do
esquecimento em cores vivas ao gozar de um hábito de infância em plena ‘adultice’.
Ao pegar um taxi, fui impelido a olhar pra fora, mais especificamente, a olhar
pra cima... pro céu. Para escapar da sensação de aprisionamento em estar em um
transporte amarelo canário, que pouco cumpria sua missão diante do entupimento das
vias de suposta circulação, e pela inexistência de asas em meu corpo, percebi-me
na prática de um exercício que muito fiz em minha meninice, inventar histórias
com as nuvens, ou melhor, a partir das nuvens.
Comecei de maneira tímida,
nomeando o que enxergava no grafismo das massas. Vi um cachorro cabeçudo, uma
girafa de pescoço atrofiado, uma taça de sorvete e por aí foi. No calor das
criações autorizei-me ir além, inventar histórias com as imagens que vislumbrava,
linkando umas com as outras. Cada
imagem que avistava era incorporada em uma pequena narrativa silenciosa.
As histórias foram tomando
conta da minha viagem, se metamorfoseando
em minha própria viagem. Construí “causos” juntando dinossauros com
alienígenas, animais e sujeitos mutantes que andam de ônibus e trem, e que
portam objetos de tamanhos irreais etc.
Após um tempo,
imperceptível quantitativamente para mim, fui convidado a retornar a realidade
pela insistência do taxista em me cobrar a corrida. Enfim, paguei, deixando
temporariamente de lado, até a criação desta escrita, a ficção.
O fato é que saí provisoriamente
de uma situação que se apresentava chata, cansativa. Uma corrida de táxi em
pleno horário de rush.
Construí, brinquei,
ajustei o mundo ao meu gosto. Fiz o que fazia quando criança, para as viagens
de carro transcorrerem sem demora, para burlar os enjoos que sentia com o
sacolejo do automóvel. Fiz o que crianças normalmente fazem para se proteger de
situações desagradáveis, destrutíveis, disfuncionais.
Ajustando criativamente,
as crianças se lançam em comportamentos que muito são incompreendidos e até
tolhidos por adultos. Faça uma criança esperar uma consulta médica sentada por
uma ou duas horas, ou mesmo ter de acompanhar seus pais nas compras mensais em
um supermercado. Observe o quanto elas são capazes de criar, inventar, de
transformar corredores de mercado em verdadeiros labirintos, ou canetas da
secretária do consultório em aviões supersônicos.
O que me deixa em alerta como
psicólogo e apaixonado pelo universo da arte infantil, é quando estes
ajustamentos são apresentados de forma rígida e padronizada pelas crianças,
demonstrando inflexibilidade em inúmeras situações que convidam para novas
possibilidades.
Mas isso é assunto pra
outra postagem (e assim vou acumulando dívidas). No mais, convido todos a espiarem um pouco da espontaneidade
das crianças nos diversos espaços urbanos ou, quem sabe, experimentar olhar
mais pro céu e ir além das nuvens.
Ola! Acabei de conhecer seu blog pela luciana aguiar e estou gostando muito! Seus textos fluem maravilhosamente!! Nao deixe de publicar seu livro de lembrancas infantis!!!! ^_^
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