Observar, examinar, olhar com
atenção são pré-requisitos básicos para candidatos a Sherlock Holmes ou verbos
usuais de pessoas curiosas e, pejorativamente, fofoqueiras. Talvez por minha
tamanha timidez, desde muito pivete, enveredava-me na espionagem do meu pequeno
mundo, coletando dados suficientes e adquirindo segurança relativa para encher-me
de coragem e, ai sim, pular no interior dos cenários.
Perdia horas admirando desde
folhas navegantes que percorriam pequenas corredeiras que se formavam no meio
fio após um temporal passageiro, até o divertimento envolvido em transferir pra
plateia de uma peça ou filme a minha atenção, pela variedade expressiva que
cercava os, agora, atores involuntários.
Cresci, adquiri óculos corretivos,
e permaneci observando. De cenas usuais em praças de alimentação, elevadores e
salas de espera, noto, reparo e presentifico os acontecimentos em histórias fantasiosas
e cheias de tons cinematográficos. A existência apresenta-se em ambientes
tridimensionais, onde conecto-me a variedade dos enredos e faço a escolha por
afinidade ou reatividade, selecionando a temática com o simples girar de cabeça.
Ação, drama, dramalhão, comédia, terror, suspense estão presentes nas
apresentações espontâneas e gratuitas nos espaços de livre circulação.
Atualmente, diante de toda a diversidade existente nos ambientes urbanos, verifico uma constância nas exibições. Um novo elemento aparece nestes últimos anos e ganha cada vez mais espaço nas obras do dia a dia, recebendo papéis principais e críticas favoráveis. O multitalentoso smartphone.
É inegável o uso e funcionalidade
dos celulares atuais, sendo o mais básico dos seus papéis a realização de
ligações. Eu mesmo sou fã da complexidade de suas atuações, onde o mais simples
dos modelos disponíveis no mercado cospe fogo, voa, e tem convicções políticas
e religiosas.
Com o uso e o envolvimento íntimo,
os telemoveis inteligentes obtêm nome, status e roupas, seguem tendências e
recebem atenção especial dos seus donos, companheiros, parceiros ou amigos – o
grau de intimidade varia de pessoa pra celular.
São objetos depositários de
personalidade que encenam papéis variados de livre escolha por quem os dispõem.
Vivem a relação a dois, despertam emoções variadas, e tem a capacidade de
prender a atenção do parceiro, mesmo numa festa com a presença de outros estímulos.
Aliás, é comum vermos um grupo de pessoas, em uma mesa de restaurante ou na tal
festa referida anteriormente, em que todos se mantêm fixados na simples troca
com seus aparelhos, ‘esquecendo’ todo o entorno. Acontece o chamado
tête-à-tête.
E assim, enquanto olho para todos
– todos é um exagero literário – e crio este texto, todos olham para ele, seu amigo,
parceiro, companheiro... celular.
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