Quando criança, diante da minha condição de filho único, ansiava
ter um irmão. Não consigo precisar, marcar no calendário, o período que
acontecera, mas tenho a clara lembrança de que meu desejo foi exposto e imposto
para minha mãe que, com sabedoria, acolhia o
pedinte, mas não realizava o pedido.
Para mim, pouco importava se meus pais tinham condição de
ter outro filho ou se o queriam, afinal, eu antecipadamente elegi-me como o
responsável pelo planejamento e elaboração dos afazeres e brincadeiras que nos
tomariam o tempo. Claro, que esta realização também não levava em conta que mesmo
se os deuses e os anticoncepcionais conspirassem a meu favor, a realidade
motora e cognitiva de um recém-nascido dificultaria nossas partidas de futebol.
Enfim, o tempo passou, troquei o irmão por um cachorro –
desejo este realizado – e a vida seguiu um curso definitivamente mais especial
para mim do que se estivesse dividido o espaço, o quarto, os pais e as broncas.
Por genitores diferentes, ganhara dois primos de
primeiríssimo grau. Diferente do Bob – nome do meu presente canino – que
precisei implorar e acordar responsabilidades sobre banhos e batismos
fisiológicos, meus primos vinham sem pedidos ou ainda promessas. Chegaram e por
aqui permaneceram.
Do laço que nossas mães traziam desde a infância, herdamos a
frequência do convívio. A matemática era simples: elas encontravam-se e, como resultado, nós, os pirralhos, encontrávamo-nos.
Porém, contudo, contanto, todavia a amizade não surgia da ‘forçada’ convivência
e com o nascer dos dentes permanentes, já que tínhamos a escolha de engatinhar
para lados opostos.
Por opção, passamos infância, passamos adolescência e
continuamos passando a ‘adultice’ ligados, apesar dos distantes quilômetros e
dos interesses distintos.
Num tempo em que a rede de
dormir transformava-se em maquina de lavar, e a pequena piscina Tone – momento
propaganda gratuita – agigantava-se ao receber monstros do mar e redemoinhos,
primos tornaram-se amigos. Nas fotos e nas lembranças, eles – respeitando a
ordem de chegada, um com suas pernas finas e joelhos desproporcionais e o
outro, ou melhor, a outra com seus cabelos cacheados – avolumam-se nos álbuns e
na memória, dificultando qualquer referência autobiográfica sem ter seus nomes por
muito citados.
Da coleção de reminiscências intituladas “criações”, Nando
está em sua maioria. Com os jogos de tabuleiro que produzíamos com sobras de cartolina, e com os jogos de quadra que adaptávamos à realidade dos espaços e escassez de material esportivo, tornamo-nos os maiores concorrentes da Grow
no distrito de nossas residências. Quando estávamos juntos, imaginação não
faltava, e como consequência, as invenções continuavam. De uma banda chamada Mosquitos Aloprados, com curto tempo de
vida de um show apenas, até nossas produções em vídeo, com direito a
programação jornalística e de entretenimento, o objetivo era o riso fácil, que
felizmente nos acompanha até os dias de hoje.
Seguindo... Pra não ter toda atenção da família, mimos e
badulaques, que cercam normalmente pimpolhos fofos como eu, Dani não esperou muito
e chegou para dividir o foco. Com ela perdi definitivamente as pompas de uma estreia
solo, mas ganhei uma parceria pra vida. Apesar da nossa diferença de gênero,
nunca experimentamos a usual implicância presente entre meninos e meninas em certas
faixas etárias. Pelo contrário, para eu estar com ela, brincávamos de Barbie
(que fique claro que eu era o Bob da relação); e para ela estar comigo, brincávamos
de Comandos em Ação. Juntos, sempre juntos, enfrentamos o medo do Beto Coelho e
do ET cabeçudo do Spielberg; e dividimos os louros e as broncas quando executávamos
ideias mirabolantes como encher seu quarto de talco e água para patinarmos.
Assim, após 35 anos, este texto surge pincelado de histórias
minhas, que foram cruzadas, permeadas, salpicadas por histórias deles. Surge da
lembrança de dois irmãos que vieram por caminhos paralelos, de barrigas
diferentes. Irmãos que definitivamente se escolhem.
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